terça-feira, 19 de novembro de 2019

Não custa sonhar


        Vamos convir que, entre todos os eventos que merecem destaque na capa de jornais, dificilmente deparamos com uma imagem como a de Zero Hora, de 9 e 10 de novembro: as quatro últimas patronas da 65ª Feira do Livro 65ª Feira, na companhia da escultura de Drummond e Quintana.
        A chamada é tão incomum que, em segundos, somos transportados para um mundo completamente diverso daquele que tem nos rodeado. A maioria delas reservam espaço para futebol, times, jogadores numa faina incessante, até pelo espaço em todos os meios de comunicação, de comentários e mais comentários como se fosse possível descarnar uma notícia de tanto mencioná-la. Na verdade, essa tarefa exaustiva destrói o caráter informativo da notícia e acaba boiando nesse caldeirão de sentidos, uma verdadeira Torre de Babel, onde cada um tem o seu dicionário, gerando-se apenas factoides e  fakes News.
         Por outro lado,  há uma homogeneidade no modo de avaliar a realidade cuja natureza responde ao sensacionalismo e ao espetáculo fato já denunciado por Debov, com seu livro A Sociedade do Espetáculo e por Vargas Llosa, em Civilização do Espetáculo, definida por Zigmund Bauman como Sociedade Líquida.
        Quando McLuhan afirmou O Meio é a Mensagem não imaginou os efeitos desse processo, pois o veículo tornou-se a mensagem, perdendo-se o conteúdo. É um verdadeiro diálogo de surdos; ninguém ouve ninguém, mas todos falam, falam como se tudo soubessem e conhecessem. Elimina-se o interlocutor e fica-se com imagens virtuais e efeitos especiais.
        Mas voltando à capa, aliás, pouco comentada, eu a vejo como um prenúncio de que haverá uma mudança. Não é um sinal nem de raio nem de trovão, mas um sinal e os sinais revelam, muitas vezes, os desejos do inconsciente coletivo. Para decifrá-lo, teremos de procurar vestígios de significação que passam por quem fez a foto, a reportagem, o editor, a equipe responsável pela publicação e pela própria Feira que, apesar de ter diminuído, continua ocupando a Praça e atraindo público. Quem sabe o ícone maior dessa mudança seja o fato de consagrar como patrona mais uma mulher, substituindo suas três antecedentes que também ocuparam esse mesmo lugar. Sempre haverá sinais, cabe a nos interpretá-los. Se o Batman põe a Capa pra combater o mal, nós podemos usar a Capa da Cultura para combater a desesperança!                                                                       



Vai longe esse guri...



Há uma geração que se foi com Brizola. Uma geração que cresceu em comícios do interior, banhados com pétalas de rosas entre vozes contrárias dos partidos historicamente predominantes, onde as gurias vestiam, nas fitas que amarravam suas tranças, as cores do partido – vermelho, branco e preto, cujo teórico, Alberto Pasqualini, contava-se, fora colega de seminário de D.Vicente Scherer. Mesmo assim, sua fama de comunista permitia ao vigário da cidade não absolver, na confissão, as simples mulheres que, incitadas pelos maridos, afirmavam com humildade terem votado nele. 
Esses mesmos ecos – de que o comunismo estava às portas da cidade – eram segredados à boca pequena pelos corredores do colégio das irmãs; mas não impediam que nos mantivéssemos fiéis ao partido, pois a honra de defendê-lo suplantava o medo do inferno e os alfinetes cravados no coração da Virgem, coroada na Igreja Matriz, aonde as mesmas meninas que iam aos comícios, discursavam a favor da Santa, vestidas de branco e com enormes asas que custavam a carregar. Mas muitos de nós as carregamos sempre na esperança de que nossos vôos atinjam o infinito. E foi essa esperança que sempre animou esse intrépido e corajoso líder Leonel de Moura Brizola.
Com ele foram as reuniões da Juventude Trabalhista que, fruto dos movimentos estudantis, encontrava ali um canal pelo qual a esquerda, especialmente a clandestina, podia atuar. Era o PTB, partido com o qual as forças operárias e de trabalhadores passaram a se identificar, aglutinando as lideranças sindicais; partido criado pelo mesmo homem que criara o PSD, Getúlio Vargas, o qual ao olhar o jovem discursando de improviso, haveria de afirmar, com seu jeito indecifrável e profético: “Prestem atenção nesse guri, que ele vai muito longe”. E a profecia se cumpriu: ele foi longe.
Com ele foram as palestras de sexta-feira na Riachuelo, cujas conversas longas e pausadas, rivalizando com as de outro líder, Fidel Castro, fizeram com que muitas pessoas, quase analfabetas, pudessem trazer para seu cotidiano significados geralmente reservados aos cientistas políticos, como “trust” de remédios, imperialismo americano, estatização, etc.
Com ele foram as reuniões nos centros acadêmicos com suas disputas políticas acirradas que mereciam conquistar votos nos bailes da Reitoria sob o embalo irresistível de “Io che amo solo te”, de Sergio Endrigo. Foram-se também os encontros e congressos estudantis na disputa pela União Nacional dos Estudantes com passagens pagas pela Universidade sob o olhar complacente do Reitor Eliseu Paglioli que por mais brigas e ataques que fizéssemos, julgando-o conservador, sempre nos recebia, acolhendo nossas reivindicações com um ar crítico, mas cheio de encanto ao reconhecer nosso direito de contestar e fazer política.
Com ele foram-se também a sublevação estudantil na luta pela Legalidade, organizada no Restaurante Universitário aos gritos de um-dois, um-dois, preparando-nos para a luta eminente e tentando uma disciplina que custava a se manter e cuja tensão deixava o coração medroso e a alma inquieta. Foi-se a longa marcha em direção ao Palácio, todos de braços dados cantando “Já podeis da Pátria, filhos”, sob uma chuva fria e intensa que não impediu que a jovem, em seu “tailleur” rosa-claro, protegida pela capa de chuva, erguesse a saia, subisse no caminhão e discursasse veementemente contra Carlos Lacerda, gritando ao final Legalidade ou Morte, pois este fora o apelo lançado através dos microfones do Palácio, pelo, então, governador Brizola: “A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim”. E essa seiva o alimentou até a morte: “Sou como as plantas do deserto: basta uma gota de orvalhos e volto a reverdejar”.
É toda uma geração que se foi com Brizola. Foram nossos atrevimentos, nossos impulsos cheios de certezas, nossas utopias, nossos ensaios políticos. Na chuva que caia sobre o esquife, no dia de seu enterro, nossa alma enchia-se de melancolia. Calma e pausada, molhada de saudade e espanto, com o coração batendo, como o bater dos pés dos jovens soldados, carregando Brizola. E junto, nossa juventude.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Professor: profissão Esperança

Magistério e Teatro trabalham com uma realidade incomum: o produtor e o consumidor estão no mesmo espaço geográfico: não há intermediários. Essa característica define uma essência cuja ação produz milagres; contudo, exige uma única condição: a entrega e o prazer devem alimentar esta relação que, apesar de repetida diariamente, renova-se a cada encontro de maneira singular.

O bom professor é aquele que deixando a sala de aula entra para o Circo e faz qualquer papel desde Trapezista, Palhaço e Domador. Seu currículo não é o Lattes, mas o Teatro de Variedades! Maravilhosa e comovente profissão que moldou o que hoje sou, cujos ecos enfeitam a minha velhice e segredam carinhosamente que valeu a pena! Profissão de esperança essa a de Professor e esse sentimento lhe garante a imortalidade, pois a esperança é maior que a vida. Um abraço aos professores e aos alunos que hoje escolheram essa valorosa profissão!

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Marcha soldado

        Se ser de Esquerda ou Direita garantisse a Ética e a Moral, eu me deteria nessas classificações usadas constantemente; como elas não garantem virtude, eu não dou a mínima, pois essas bocas vomitam ódio e pedras  em vez de afeto e palavras.

Vai Longe esse guri

           
             Uma homenagem  à verdaddeira política e a minha geração!

 
                                 Vai longe esse guri...
Nayr Tesser
Há uma geração que se foi com Brizola. Uma geração que cresceu em comícios do interior, banhados com pétalas de rosas entre vozes contrárias dos partidos historicamente predominantes, onde as gurias vestiam, nas fitas que amarravam suas tranças, as cores do partido – vermelho, branco e preto, cujo teórico, Alberto Pasqualini, contava-se, fora colega de seminário de D.Vicente Scherer. Mesmo assim, sua fama de comunista permitia ao vigário da cidade não absolver, na confissão, as simples mulheres que, incitadas pelos maridos, afirmavam com humildade terem votado nele. 
Esses mesmos ecos – de que o comunismo estava às portas da cidade – eram segredados à boca pequena pelos corredores do colégio das irmãs; mas não impediam que nos mantivéssemos fiéis ao partido, pois a honra de defendê-lo suplantava o medo do inferno e os alfinetes cravados no coração da Virgem, coroada na Igreja Matriz, aonde as mesmas meninas que iam aos comícios, discursavam a favor da Santa, vestidas de branco e com enormes asas que custavam a carregar. Mas muitos de nós as carregamos sempre na esperança de que nossos vôos atinjam o infinito. E foi essa esperança que sempre animou esse intrépido e corajoso líder Leonel de Moura Brizola.

Com ele foram as reuniões da Juventude Trabalhista que, fruto dos movimentos estudantis, encontrava ali um canal pelo qual a esquerda, especialmente a clandestina, podia atuar. Era o PTB, partido com o qual as forças operárias e de trabalhadores passaram a se identificar, aglutinando as lideranças sindicais; partido criado pelo mesmo homem que criara o PSD, Getúlio Vargas, o qual ao olhar o jovem discursando de improviso, haveria de afirmar, com seu jeito indecifrável e profético: “Prestem atenção nesse guri, que ele vai muito longe”. E a profecia se cumpriu: ele foi longe.
Com ele foram as palestras de sexta-feira na Riachuelo, cujas conversas longas e pausadas, rivalizando com as de outro líder, Fidel Castro, fizeram com que muitas pessoas, quase analfabetas, pudessem trazer para seu cotidiano significados geralmente reservados aos cientistas políticos, como “trust” de remédios, imperialismo americano, estatização, etc.
Com ele foram as reuniões nos centros acadêmicos com suas disputas políticas acirradas que mereciam conquistar votos nos bailes da Reitoria sob o embalo irresistível de “Io che amo solo te”, de Sergio Endrigo. Foram-se também os encontros e congressos estudantis na disputa pela União Nacional dos Estudantes com passagens pagas pela Universidade sob o olhar complacente do Reitor Eliseu Paglioli que por mais brigas e ataques que fizéssemos, julgando-o conservador, sempre nos recebia, acolhendo nossas reivindicações com um ar crítico, mas cheio de encanto ao reconhecer nosso direito de contestar e fazer política.
Com ele foram-se também a sublevação estudantil na luta pela Legalidade, organizada no Restaurante Universitário aos gritos de um-dois, um-dois, preparando-nos para a luta eminente e tentando uma disciplina que custava a se manter e cuja tensão deixava o coração medroso e a alma inquieta. Foi-se a longa marcha em direção ao Palácio, todos de braços dados cantando “Já podeis da Pátria, filhos”, sob uma chuva fria e intensa que não impediu que a jovem, em seu “tailleur” rosa-claro, protegida pela capa de chuva, erguesse a saia, subisse no caminhão e discursasse veementemente contra Carlos Lacerda, gritando ao final Legalidade ou Morte, pois este fora o apelo lançado através dos microfones do Palácio, pelo, então, governador Brizola: “A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim”. E essa seiva o alimentou até a morte: “Sou como as plantas do deserto: basta uma gota de orvalhos e volto a reverdejar”.
É toda uma geração que se foi com Brizola. Foram nossos atrevimentos, nossos impulsos cheios de certezas, nossas utopias, nossos ensaios políticos. Na chuva que caia sobre o esquife, no dia de seu enterro, nossa alma enchia-se de melancolia. Calma e pausada, molhada de saudade e espanto, com o coração batendo, como o bater dos pés dos jovens soldados, carregando Brizola. E junto, nossa juventude.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Panelas

   
   Panelas
                 Nayr Tesser
                       
Há uma química com as panelas
que salta de pronto aos olhos
é só com elas mexer
que coisas, pratos e loisas,
com truques e algumas mágicas,
começam a aparecer: risoto bem temperado
com funghi assim preparado.
Um molho vermelho-sangue para
uma pasta al dente, preferência
de muita gente que não cansa de repetir

Mas que mistério é esse co’as panelas
que chama tanto atenção!
Pimenta, sal e cebola refogados no fogão
inicia um processo perfeito
que  realiza uma síntese de amor
O segredo é muito simples: entrega e disposição,
pois quem lida co’as panelas coloca em tudo que faz
muita alma e coração!

domingo, 14 de outubro de 2012


A sala de aula uma paixão.

 O dia do Professor é um dia para falar de encanto e paixão. Afinal é primavera e os espermatozóides estão no ar. Com esta frase era anunciada a nova estação nas aulas de Português do velho e saudoso Colégio Julio de Castilhos. O estribilho de quem fez da sala de aula sua paixão é sempre o mesmo: surpresas, dores, alegrias e amores como a vida num movimento de vai e vem.  Ser professor é um doce vício e teimosa virtude; se assim não fosse, como persistir e resistir quando os indicadores são de desvalorização monetária, social e profissional.

Sem falsa modéstia acho poder dar testemunho sobre o encanto e beleza de ser professor e a importância da profissão, pois, ao lado de uma consciência absolutamente meridiana do que não fiz ou deixei de fazer, há uma certeza de que os poucos projetos que fiz, apesar de não constarem na promoção funcional, estão por ai, caminhando autônomos e independentes com pernas que não são minhas, abraçando outros mundos com braços que não são meus. São meus alunos que acompanhei ao longo de mais de 40 anos de profissão exercida na escola pública estadual, escola esta que sofre, hoje, as indefinições e perplexidades vividas pela sociedade atual. Sim, são esses alunos cujos ecos percebo de quando em quando, aqui e ali, e com os quais briguei, aprendi e até ensinei e, se o fiz, foi muitas vezes sem saber que o fazia, pois ao final de cada ano, e foram tantos, que ficava sempre a sensação incômoda de que não havia feito tudo, mas redimia-me pensando com renovada esperança que no próximo ano seria melhor.

Ah! Profissão de esperança, esta, a de professor!

E nesse percurso, quantas dúvidas e achados! Entre as imagens guardadas na retina, lembro-me que, na tentativa de mostrar aos alunos que a língua era um fenômeno vivo, comparava as divisões da gramática com as etapas da vida do ser humano: a fonética nascia com o choro do bebê; a morfologia, com a expectativa do sexo, menino ou menina; as classes gramaticais, as dominadas e as dominantes, representavam a sociedade de classes em que vivíamos e essas classes desempenhavam papéis no teatro da língua que era a sintaxe, no qual as frases ou orações eram atos ou cenas, e o período uma peça cujo autor se renovava a cada apresentação e cuja interpretação e imagem dependeriam do local onde o palco seria armado. A concordância era uma questão social e a regência se dava na relação dos homens entre si, onde o verbo dar, apesar de ser bitransitivo e exigir dois complementos, o essencial era conjugá-lo em todos os tempos e modos. Essas comparações, olhadas agora à distância e no contexto atual, até poderiam ser aceitas, mas no início da década de 60 e com a insegurança natural de quem se inicia na profissão, não passavam de imperdoáveis desvios de uma professora que, por não encontrar explicações lógicas para certos fenômenos lingüísticos, buscava, desculpando-se, encobrir com a imaginação as lacunas que, julgando-as apenas suas, sofria por não conseguir preencher, desprezando sua própria intuição.

O sentimento incômodo de fazer tudo menos dar aulas de português perseguia-me. Mesmo assim, esse lado cheio de metáforas e refrões resistia teimosamente e, para explicar uns, criava outros, justificando-me: “O bom professor é aquele que, ao deixar a sala de aula, entra pro circo e faz qualquer função – mágico, trapezista, palhaço e domador.”

É esse tempo e essa história que fazem com que confie e acredite na minha profissão. A importância do professor não pode, portanto, ser medida pelos baixos salários que recebe; nossas reivindicações devem ser feitas no espaço devido e as lutas para modificar a situação devem estar presentes em nosso cotidiano, mas não devemos fazer da sala de aula uma arena sindical.

Essa desvalorização salarial não deve confundir  nossos ideais e nossa crença, nem definir o valor de nossa tarefa, que é a maravilhosa, insubstituível tarefa de ensinar. O professor é um professor e jamais será substituído por imagens virtuais ou efeitos especiais. O professor é, ponto final.

Mas para tanto é necessário ter clareza de nosso papel, crença no que fazemos, alegria por fazê-lo e consciência da singularidade da relação professor-aluno. É a única profissão cujos bens produzidos não carecem de intermediação: o produtor e o consumidor estão no mesmo espaço. E isso tem seus reflexos e sua significação.

Para ser um bom professor é necessário ter conhecimento, saber socializá-lo sem adonar-se dele, aprender com seus alunos, ter uma escala de valores bem definida, posicionar-se diante dos acontecimentos, sentir um imenso prazer ao perceber o crescimento alheio, alegrando-se com ele. Para ser um bom professor é preciso comover-se com pequenas coisas ridiculamente humanas, ter certeza de que seus alunos saberão reconhecê-lo e o guardarão indelevelmente na memória por um pequeno flagrante que o identificará de imediato, uma rápida associação, um gesto, um olhar, um tom de voz que os marcaram para sempre.       

                      Nayr Tesser

domingo, 7 de outubro de 2012

A Infância está morrendo


 

A Infância está morrendo.
Nayr Tesser
           Ai que saudades que eu tenho da aurora da minha vida
            Da minha Infância querida que os anos não trazem mais
                                                                                   Casimiro de Abreu

   Não se trata de saudosismo no sentido pejorativo comumente empregado – pessoa não adaptada ao presente e que, por essa razão, refugia-se frequentemente no passado repetindo sempre o mesmo estribilho: No meu tempo...

   A concepção usada é a de um velho cuja idade lhe permitiu viver mais de uma época com seus modelos e valores e, por gozar de certa sensibilidade e razoável inteligência se permite comparar e escolher a melhor. Nesse sentido, já houve uma infância melhor do que a dos dias atuais, pois se tratava de crianças e não de consumidores ou pseudoadultos.

   Todos admitem que o ciclo da vida aumentou, não há quem não concorde. Consequentemente seria natural que as fases também se ampliassem. Contudo, há um evidente descompasso entre elas: diminui-se a infância, prolonga-se a adolescência e pretende-se transformar a velhice numa eterna juventude, isto é, velhos com espírito jovem. Porém, ao tentar caracterizar um tipo de velhice mais digna ou menos negativa, usam-se determinados eufemismos que longe de resolver a questão a problematizam ainda mais. Afinal o que é ser criança, adolescente ou velho com espirito jovem?

    Quem sabe ser jovem é estar conectado incondicionalmente à sociedade de consumo e alimentar desejos desnecessários e supérfluos adquirindo objetos de última geração imediatamente descartados sem, contudo, saber descrevê-los ou mesmo contar histórias sobre quando e quem os deu numa repetição interminável desse mesmo processo.

    Quem sabe ser jovem significa saber lidar com todos os recursos eletrônicos – celular, Playstation 3, Nitendo DS, iPad , tablet, etc –dedicando-se a eles quase em horário integral em detrimento de outras atividades. Com tal dedicação a esses  recursos, a anatomia das crianças sofreu  uma profunda  transformação: no lugar dos pés temos dois gigantescos tênis , no lugar das costas, pesadas mochilas, no lugar das mãos, dois controles remotos, no lugar das orelhas, dois enormes fones de ouvido e no lugar do cérebro, um boné virado.

    Com a nossa cumplicidade e sob a forte influência da propaganda, cuja natureza é devorar o objeto que promove, caso contrário não existiria, estamos definindo a juventude e a infância de forma maniqueísta onde privilegiamos a perspectiva tecnológica em detrimento da natureza humana. Não se trata mais de homens, mas de consumidores. Nesta sociedade, quem é inteligente é o elevador, quem ama é o robô, quem sente ternura é o ET, quem  apresenta uma sociedade mais justa e fraterna é o filme Avatar; logo, os objetos e extraterrestre estão ficando humanos e os homens estão perdendo a humanidade.

    As crianças e adolescentes estão se transformando numa geração cabisbaixa, com o olhar fixo nas telas, sofrendo, sem queixa ou reação ao que denomino de colonização tecnológica. Nem os colonizadores espanhóis, portugueses, franceses ou ingleses foram tão radicais quanto os colonizadores tecnológicos, pois nesse caso joga-se com o lucro e não com o domínio das nações. Os 1ºs eram menos civilizados, enquanto os últimos, ditos civilizados, não diferem muito dos primitivos, com uma ressalva apenas, os atuais são mais sutis e de maior alcance.

   Para corroborar esse quadro, a educação está em franco declínio e as famílias têm dificuldade de definir limites e valores.  Sintetizando são três os males da educação: um psicologismo exagerado em detrimento do pedagógico; valores estereotipados passados pela mídia sem nenhuma intermediação entre a mídia e a criança e um discurso feminista que continua contestatório depois de 40 anos de estrada sem nenhuma proposta de convivência.

    Ao analisar as atitudes e hábitos da nova geração, a crítica não se dirige a eles, mas a nos todos – pais, avós, professores, autoridades, cidadãos em geral – que assistimos a morte da Infância sem, contudo, agir concretamente para que isto não aconteça. Com este desabafo, faço coro com outras vozes, pouco ouvidas, que têm alertado para o perigo que corremos, pois tudo está no Baú da Infância e, se ela não for protegida, como será o adulto de amanhã.

Fica o desejo de que a infância de hoje, ao envelhecer, possa dizer também: “Ai  que saudades que eu tenho da Aurora da minha Vida, da minha Infância querida que os anos não trazem mais!

              Nayr Tesser

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Mafalda e a Professora


Mafalda e a professora

Nayr Tesser

Se é um personagem que se corporificou e adquiriu contornos humanos, chama-se Mafalda; se é um espírito que continua vivo, cuja chama não esmorece, chama-se Quino. É ele que diz “O que importam os anos? O que importa mesmo é comprovar que afinal de contas a melhor idade da vida é estar vivo.” É o que acontece com Mafalda e seu criador.

Sempre que pronuncio seu nome, nasce em mim uma enorme ternura e cumplicidade que só  costumo dedicar  a pessoas muito especiais. Mafalda me acompanhou em muitos momentos da minha vida. Já a cultivava quando ainda só falava espanhol e, para aproveitá-la nas aulas de Português, no antigo Julinho, traduzia o balão, colando, em cima da tira original, as falas em português. Muitas provas foram feitas, então, com as tiras da Mafalda. Nesse sentido, adquiri duas coleções, que iam do nº 1 ao nº 12, uma para uso e outra, quase intocada, que até hoje me acompanha. Nos anos que se sucederam a 1964, Mafalda foi a voz que falava por nós, já que nossas vozes haviam sido silenciadas. Esse mesmo papel ela desempenhou quando da Reforma Universitária, em 1972, na malfadada disciplina de LET-180, na qual um dos conteúdos tratados era o de argumentação. Na verdade, a sociedade deve muito aos humoristas e cartunistas desse período, porque eles construíram a brecha através da qual nossa alma respirava a liberdade.

Esse amor, até hoje cultivado e que assiste Mafalda ressurgir com o mesmo impacto, reconhece a imortalidade e universalidade dessa menina cujos olhos percebiam, desde cedo, a contradição entre “coisas que não se devem fazer” e as que os adultos fazem, contrariando o que lhes era ensinado. “Por que os adultos não fazem o que lhes ensinam?” A menina, irônica, questionadora e pacifista tinha, e ainda tem, motivos de sobra para se preocupar com os rumos do planeta, preocupação que muitos de nós custamos a ter, apesar dos esforços  de conscientização quanto ao destino do planeta.

Quando Quino, ao justificar que não voltaria a desenhar a Mafalda, agora, “porque os jovens de hoje estão desiludidos e não querem mudar o mundo para melhor, ao contrário da década de 60”, leva-nos a acreditar que a Mafalda rebelde, pacifista e questionadora, deve voltar, sim! Não em tiras, mas por inteiro, no coração dos jovens.

E diria como ela”Buenas Noches, Mundo, será hasta mañana. Pero !ojo!, que quedan muchos irresponsabiles despiertos,?Eh?”





 
Mafalda e a professora
Nayr Tesser
Se é um personagem que se corporificou e adquiriu contornos humanos, chama-se Mafalda; se é um espírito que continua vivo, cuja chama não esmorece, chama-se Quino. É ele que diz “O que importam os anos? O que importa mesmo é comprovar que afinal de contas a melhor idade da vida é estar vivo.” É o que acontece com Mafalda e seu criador.
Sempre que pronuncio seu nome, nasce em mim uma enorme ternura e cumplicidade que só  costumo dedicar  a pessoas muito especiais. Mafalda me acompanhou em muitos momentos da minha vida. Já a cultivava quando ainda só falava espanhol e, para aproveitá-la nas aulas de Português, no antigo Julinho, traduzia o balão, colando, em cima da tira original, as falas em português. Muitas provas foram feitas, então, com as tiras da Mafalda. Nesse sentido, adquiri duas coleções, que iam do nº 1 ao nº 12, uma para uso e outra, quase intocada, que até hoje me acompanha. Nos anos que se sucederam a 1964, Mafalda foi a voz que falava por nós, já que nossas vozes haviam sido silenciadas. Esse mesmo papel ela desempenhou quando da Reforma Universitária, em 1972, na malfadada disciplina de LET-180, na qual um dos conteúdos tratados era o de argumentação. Na verdade, a sociedade deve muito aos humoristas e cartunistas desse período, porque eles construíram a brecha através da qual nossa alma respirava a liberdade.
Esse amor, até hoje cultivado e que assiste Mafalda ressurgir com o mesmo impacto, reconhece a imortalidade e universalidade dessa menina cujos olhos percebiam, desde cedo, a contradição entre “coisas que não se devem fazer” e as que os adultos fazem, contrariando o que lhes era ensinado. “Por que os adultos não fazem o que lhes ensinam?” A menina, irônica, questionadora e pacifista tinha, e ainda tem, motivos de sobra para se preocupar com os rumos do planeta, preocupação que muitos de nós custamos a ter, apesar dos esforços  de conscientização quanto ao destino do planeta.
Quando Quino, ao justificar que não voltaria a desenhar a Mafalda, agora, “porque os jovens de hoje estão desiludidos e não querem mudar o mundo para melhor, ao contrário da década de 60”, leva-nos a acreditar que a Mafalda rebelde, pacifista e questionadora, deve voltar, sim! Não em tiras, mas por inteiro, no coração dos jovens.
E diria como ela”Buenas Noches, Mundo, será hasta mañana. Pero !ojo!, que quedan muchos irresponsabiles despiertos,?Eh?”



















terça-feira, 22 de novembro de 2011

As dores da Educação

A minha entidade de classe – CPERS – que ajudei a construir, não mais me representa – este é um lado da questão. O Governo que ai está e no qual não votei, mas me representa, é o outro lado da questão. É dessa contradição e através da velha dialética que tentarei chegar à síntese. Há duas campanhas envolvendo a sociedade atualmente: o X da Educação e Crack, nem pensar e essas duas campanhas são indicadores sensíveis e concretos do perigo que estamos correndo. Nesse sentido, não posso reduzir a questão da Educação ao salário, pois essa questão não diz respeito somente a um segmento ou a mim, mas a sociedade como um todo. Ao me posicionar em relação às questões educacionais atualmente em discussão, não faço mais do que dar meu testemunho e convicção de que a única saída para a maioria de nossos problemas é oferecermos um ensino de qualidade.

Faço isso em nome do futuro dos meus alunos, fiel ao ditado tantas vezes mencionado em aula: “Aprender é sair de si mesmo”;e quem não o fizer, habitará para sempre o país da jurisdição do próprio umbigo.

Negocio, pois, meu baixo salário pelo direito de meus alunos, que acompanhei ao longo de mais de 50 anos de profissão, exercida na UFRGS e na escola pública estadual, escola esta que sofre, hoje, as indefinições e perplexidades vividas pela sociedade atual. A importância do professor não pode ser medida pelos salários que recebe; nossas reivindicações e nossas lutas não devem reduzir-se a estratégias cada vez mais violentas, ou fazer da sala de aula uma arena sindical. O professor é um professor e jamais será substituído por imagens virtuais. O professor É, ponto final.

Fiel a essa certeza, Senhor Governador, acredito em suas intenções e como participante ativa das lutas da minha categoria mencionarei alguns fatos, cuja história parece ter sido esquecida:

l. Plano de Carreira - Envelheceu e está descontextualizado, tornou-se um conjunto de penduricalhos na tentativa de compensar os baixos salários. Deve ser alterado para acolher o novo piso salarial.

2. Bons Concursos – Competência e desempenho, pejorativamente rotulados de “Meritocracia”, devem ser avaliados, sim, pois alunos de uma escola pública empobrecida merecem o melhor!

3. Municipalização do Ensino – Sempre repudiada por alguns professores porque isso iria dividir a categoria, quando na verdade a municipalização responde ao espírito constitucional, o que melhoraria os Planos de Carreira dos Municípios e aliviaria a responsabilidade do Estado.

4. Quadro de Pessoal por Escola, denominado atualmente de “enturmação”, foi uma das solicitações dos professores no Acordo de 80, incluída na 6ª Cláusula, alínea a e ratificada em l985 através da criação de uma Comissão Mista SEC/CPERS, tarefa nunca levada a cabo pelo magistério.

Podemos não concordar com certas posições, mas acusar os demais pelo que não soubemos ou não quisemos fazer é, no mínimo, escamotear a verdade ou ignorar as reivindicações da categoria, ou esquecê-las porque não me favorecem. Se exijo moral e ética dos demais, devo fazer jus a elas. Sou fiel a velha dialética, daí o ditado “Sem autocrítica ninguém avança”.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Não confundir Germano com Gênero Humano

Comentário a partir do texto Achar-se importante, de David Coimbra ( Zero Hora, 14 Outubro de 2011)
 Quando um aluno do Curso de Comunicação da UFRGS solicitava um trabalho extra para cumprir determinadas exigências que não havia cumprido, o tema era sempre o mesmo: Os alunos da Comunicação querem ser artistas antes de fazer Arte. Essa situação coincide com o Achar-se Importante do texto de David Coimbra, Zero Hora, 14/10/11 que trata da vaidade de ser jornalista e da facilidade em sê-lo. Quanto à vaidade, concordo com David, quanto à facilidade, discordo em gênero e número.

Não é fácil ser jornalista, quando num Curso de formação, confundem-se Jornalismo com Publicidade ou Relações Públicas. Não é fácil ser jornalista numa sociedade em que o conceito de informação foi substituído pela mídia da imagem que atende mais ao veiculo TV do que ao conteúdo veiculado. A informação esta aí ao vivo e ao alcance do telespectador.
Foi por essa razão que Pierre Bourdieu ( Rio, Zahar, 1997) ao ser convidado para um programa na TV por tê-la criticado, exigiu que as condições de produção – tempo, interrupções, prazos, etc. – fossem definidas por ele, atendendo, assim, as necessidades da informação e não as necessidades do veículo.

Precisamos, sim, de jornalistas, pois o povo em geral ao assistir ao vivo qualquer fato não terá paciência para assisti-lo até o fim e tão pouco saberá sintetizá-lo. Esta é a função do bom jornalista – capacidade de síntese, nível elevado de raciocínio e de pensamento, pois para chegar à síntese é necessário conhecer os dois lados, que sempre existem, e saber somá-los, expressando a contradição.Numa boa dialética: tese, antítese e síntese.A esta manifestação, seja pelo rádio ou escrita, papel ou tela, denomino de imprensa e para esta, sim, reivindico a liberdade de ação.
Está na hora de separar o joio do trigo, de definir os limites entre uma realidade e outra e fazermo-nos entender claramente. A expressão liberdade de imprensa tem sido usadaindevidamente para as mais variadas manifestações que não representam em nada a natureza, ou a matéria que constitui a imprensa. Os conceitos devem ser reavaliados dentro do seu contexto histórico e semântico atual. Além disso, o que se tem observado é que velhas denominações designam situações atuais, ou novas denominações referirem velhos conceitos produzindo, assim, muita ambigüidade e mal entendidos. Por exemplo, direito adquirido, expressão usada como argumento para que o meu direito, independente da evolução dos costumes e das leis, continue o mesmo, apesar de contrariar os direitos dos demais. Portanto está na hora de esclarecermos os conceitos em função do uso que as pessoas fazem deles sem, contudo, saber defini-los. Exemplo, vontade política, moderno, esquerda moderada. Se perguntarmos o que entendem por essas expressões não sabem defini-las, apesar de usá-las como argumento para justificar suas posições.
Se não tomarmos essas providências imediatamente, as possibilidades de entendimento serão cada vez mais escassas e acabaremos numa nova Torre de Babel, pois , apesar de todos os recursos eletrônicos disponíveis, não é o meio que define o sentido e a compreensão, mas, sim, a palavra e o modo de usá-la.
 Porto Alegre, 14/10/2011 Nayr Tesser

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Educação: a síntese de uma polêmica

Para melhor entender minha conversa com David Coimbra no post anterior, publico aqui um artigo que escrevi em 2009, a respeito da discussão que se travava entre a então secretária de educação Marisa Abreu e o CPERS. O texto é longo, mas vale a pena pois retoma algumas questões historicamente esquecidas tais como, quem solicitou a racionalização de recursos (QPE) foram os professores, no acordo de 1980 e ratificado em 1985 , entre outras.
Canoas já vem imprimindo algumas dessa ideias...Mas disso falo adiante. Segue o texto.

Educação: a síntese de uma polêmica
Nayr Tesser


Há duas campanhas envolvendo a sociedade atualmente: o X da Educação e Crack, nem pensar. Parece que só chegamos a nos conscientizar dos nossos problemas muito lentamente quando as conseqüências são seriíssimas e é quase impossível suportá-los. Tem-se a impressão de que só conseguimos admiti-los se transformados em um grande espetáculo. É típico de uma sociedade como a nossa denominada por Debove de sociedade do espetáculo. As interpretações, as análises, as opiniões de estudiosos e especialistas vêm, há muito, apontando para essas questões sem, contudo, receberem a devida atenção, até porque esses segmentos não tem espaço no cenário privilegiado da mídia; suas vozes, apesar de serem um alerta, tornam-se um eco, quase inaudível, aos ouvidos de uma sociedade consumista, barulhenta e descartável, em que o virtual e os efeitos especiais se confundem com a realidade humana.


Do jeito que as coisas estão não demorará o momento em que para tratar de valores teremos de negociá-los com uma boa propaganda, oferecendo-os no mercado como os demais produtos: sabonete de respeito, xampu de gratidão, perfume de ética em frascos de excelente design ou recorrer a implantes de valores, realizados por clínicas especializadas.


Nesse quadro, os indicadores sensíveis e concretos do perigo que estamos correndo são as campanhas citadas: o X da Educação e Crack, nem pensar. Portanto, é o momento de investir em Educação; se não o fizermos, será tarde demais e teremos perdido o trem da história, pois acredito, e sempre defendi, que a Educação é o bem mais precioso que um povo dispõe para forjar uma Nação e, se ela não for de qualidade, estaremos comprometendo as gerações futuras.


Nesse sentido, não posso reduzir a questão da Educação ao meu baixo salário, pois essa questão não diz respeito somente a um segmento ou a mim, mas a sociedade como um todo. Nós, professores, ainda devemos esperar, não é que possamos, devemos, pois a juventude não pode fazê-lo. Contudo não abriremos mão da esperança de que se venha fazer justiça aos professores que por mais desvalorizados que sejam representam o elo mais autêntico e seguro entre o presente e o futuro das novas gerações. Se ainda a sociedade não reconheceu que Educação é prioridade esse é o momento de fazê-lo.


Mas para isso devemos saber o que é um ensino de qualidade e como implementá-lo. Dizer apenas que não estamos de acordo com o ensino que ai está, sem, contudo, ter propostas claras a respeito ou, então, não apoiar quem as tem para mudá-lo, é no mínimo não ter consciência da gravidade da situação.


Portanto, ao me posicionar em relação às questões educacionais atualmente em discussão não faço mais do que dar meu testemunho e convicção de que a única saída para a grande maioria de nossos problemas é oferecermos à Juventude uma verdadeira educação e um ensino de qualidade.


Há momentos decisivos na vida de cada um em que fazendo-se um balanço entre direitos e deveres a consciência maior, a do ser social, define o caminho a seguir em detrimento do interesse imediato, pois não se trata mais do indivíduo, mas do cidadão e sua consciência.


Faço isso em nome do futuro dos meus alunos, fiel ao ditado tantas vezes mencionado em aula: “Aprender é sair de si mesmo”; quem não o fizer, apesar do diploma e dos títulos, habitará para sempre o país da jurisdição do próprio umbigo.


Negocio, pois, meu baixo salário pelo direito de meus alunos, que acompanhei ao longo de mais de 40 anos de profissão, exercida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na escola pública estadual, escola esta que sofre, hoje, as indefinições e perplexidades vividas pela sociedade atual. É esse tempo e essa história que fazem com que confie e acredite na minha profissão. A importância do professor não pode, portanto, ser medida pelos baixos salários que recebe; nossas reivindicações devem ser feitas no espaço devido e as lutas para modificar a situação não devem reduzir-se a estratégias cada vez mais violentas, ou fazer da sala de aula uma arena sindical.


Essa desvalorização salarial não deve confundir nossos ideais e nossa crença nem definir o valor de nossa tarefa, que é a maravilhosa, insubstituível tarefa de ensinar. O professor é um professor e jamais será substituído por imagens virtuais ou efeitos especiais, O professor é, ponto final


Fiel a essa certeza, Senhora Secretária de Educação, acredito nas suas propostas e confio na competência e seriedade de sua equipe para executá-las. Fio e confio nisso. E, como testemunha, mencionarei alguns fatos, cuja história parece ter sido esquecida.


l. Plano de Carreira - Nosso Plano tem 35 anos e o grupo que ajudou a elaborá-lo não concordava com inúmeros itens, porém a maioria o aceitou, originando da parte da Profª. Tereza Noronha, grande responsável pelos encaminhamentos de então, a seguinte e sábia afirmação: “No futuro, ainda seremos nós a ter que mudá-lo.” O Plano envelheceu e desta forma está descontextualizado, seja pela criação de novos cursos, seja pelas alterações sofridas, tornando-se um conjunto de penduricalhos na tentativa de compensar os baixos salários. Seja, outrossim, pelas alterações sofridas em função não só do âmbito do conhecimento e desempenho como também em relação a questão do merecimento. Mais interessante seria substituir merecimento por desempenho.


2. Bons Concursos – Concursos que dignifiquem o conhecimento adquirido; exigir competência e desempenho não é preconceituoso muito menos ser elitista. Alunos de uma escola pública empobrecida merecem o melhor! Conteúdos específicos para não reduzir os concursos a exigência das leis relativas ao ensino. Estou cansada de ouvir a justificativa de que algumas categorias ganham mais porque se submetem a concursos mais difíceis.


3. Municipalização do Ensino – Sempre repudiada por alguns professores que se justificam dizendo que vai dividir a categoria, mas aceita por uma grande maioria deles, em especial os que colaboraram na elaboração dos princípios educacionais dos artigos da Constituição, nos quais está presente a idéia de que a execução é atribuição dos municípios, enquanto as políticas estariam a cargo dos Estados e da União. Com isso também melhorariam os Planos de Carreira, municipalizando-os e aliviando, assim, a responsabilidade do Estado. Foi com esse espírito que foram criadas as instâncias municipais dos Conselhos de Cultua, de Educação e da Criança e do Adolescente.


4. Quadro de Pessoal por Escola, denominado atualmente de “enturmação”. Essa racionalização dos recursos foi uma da solicitações do Acordo de 80 e ratificada ao final da greve (do Sim e do Não) em l985. Ela esta incluída na 6ª Cláusula, alínea a), sendo ratificada em l985 através da criação de uma Comissão Mista SEC/Cpers, da qual fiz parte e posso testemunhar que a SEC aceitou nossas condições dando, assim, a autonomia às escolas de elaborar seu QPE e eleger os critérios para fazê-lo. Essa tarefa nunca foi levada a cabo pelo magistério, mas quando algum governo pretendia fazê-lo, a categoria repudiava a iniciativa, sem, contudo, apresentar o seu Quadro.


Podemos não concordar com certas posições, mas acusar os demais pelo que não soubemos ou não quisemos fazer é, no mínimo, escamotear a verdade ou ignorar as reivindicações da categoria, ou esquecê-las porque não me favorecem. Não consigo conviver com a injustiça nem tampouco com a mentira. Se exijo moral e ética dos demais, devo fazer jus a elas. Minha atuação profissional e sindical foi sempre pautada pela retidão e respeito as autoridades, mesmo que estivessem em campos opostos. Sou fiel a velha dialética, daí o ditado sempre invocado: “Sem autocrítica ninguém avança”. Chegar à autocrítica ou à síntese é uma etapa difícil, mas conforme Rilke, tudo o que é bom é difícil. Se não tentarmos fazê-la, nosso discurso será maniqueísta, reproduzindo clichês sem, contudo transformar a realidade.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Para David Coimbra

Ao ler o texto"Tarso, o inimigo dos professores", na Zero Hora de 08 de julho de 2011, enviei um comentário ao jornalista David Coimbra autor do mesmo.

Prezado David,

Atualmente, os discursos têm sido maniqueístas e não admitem serem confrontados; se o fizeres, serás tachado de ou preconceituoso, ou elitista, ou, de direita. Tenho podido observar que te atreves a contrariar alguns discursos, quando poderias simpaticamente ser cúmplice dos mesmos. Essa postura é extremamente saudável e necessária para a renovação seja do teu discurso ou do discurso do outro. Infelizmente a dialética tem sido esquecida : tese, antítese e síntese. Sem a antítese não se chega à síntese. As posições adotadas pecam pela uniformidade, transformando seus argumentos em clichês cujo estribilho se repete sem, contudo, renovar-se. As mulheres são sempre vítimas, os gays são sempre discriminados, os sindicatos são sempre vítimas dos patrões, os sem-terra são sempre puros e ingênuos e não cometem nenhuma infração, o governo , seja ele qual for, está contra a sociedade, os políticos são todos corruptos (apesar que fica difícil no quadro atual desmentir a generalização!)


No teu artigo “Tarso, o inimigo dos Professores”, na Zero Hora de 08/07/11, todos os governos são contra os professores tangencias essa questão maniqueísta quando, implicitamente, percebes que o discurso dos representantes do CPERS, nos últimos anos, é sempre do não e da denúncia. Não existem propostas, no caso do Plano de Carreira, mas quando elas aparecem, somos contra. É a famosa atitude do Sal de fruta ENO ( não é da tua geração), ou dos bascos, Hay gobierno, entonces sou contra. E uma outra: tem que ter cerca viva prá podar.


Na verdade muitos sindicatos hoje vivem mais de estratégias do que de propostas. São originários, dos antigos “libelus”(como costumávamos escrever) ou dos trotskistas. Aliás, a esquerda tem um defeito horrível, é a vaidade. Como dizia um professor do antigo partidão fazendo uma autocrítica: um cara de esquerda tem uma idéia, dois formam uma tendência, três um partido e quatro uma dissidência.


Esse texto que te envio o escrevi n a época da Secretaria Mariza Abreu, que trabalhou comigo no CPERS `na diretoria constituída pela Zilá Totta. O enviei na ocasião, para o segundo Caderno, mas não foi publicado. Como ele traz a história das reivindicações acho oportuno que tenhas conhecimento.
Um abraço, Nayr Tesser

terça-feira, 21 de junho de 2011

Panelas

Texto feito no aniversário de Martina, filha do Cheff Marcelo Gonçalves pela história que os dois, mais Carla, estão construindo.


Panelas

nayr tesser


Há uma química com as panelas
que salta de pronto aos olhos
é só mexer com elas
que coisas, pratos e loisas,
com truques e algumas mágicas,
começam a aparecer: risoto bem temperado
com funghi assim preparado.
Um molho vermelho-sangue com
una pasta ,grano duro e al dente, preferência
de muita gente que não cansa de repetir


Mas o que tem nessas panelas
que chama tanto atenção
pimenta, sal e cebola refogados no fogão
iniciando um processo perfeito
que realiza uma síntese de amor
Eis aí o segredo: muita entrega e disposição
pois quem lida com panelas põe em tudo que faz
muita alma e coração!
Ouvirás muito falar delas
seja por história pregressa, que com elas te ataram,
seja de um jeito ou de outro, não importa qual o teor
tua relação co’as panelas será sempre um caso de amor.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Legalidade - Uma geração que se foi

Este texto foi escrito por ocasião da morte do Brizola e enviado à Editoria de Opinião de Zero Hora, mas não mereceu publicação. Como estamos comemorando o aniversário da Legalidade, achei oportuno divulgá-lo. É a minha geração aqui representada. Abraços, Nayr
Vai longe esse guri...

Há uma geração que se foi com Brizola. Uma geração que cresceu em comícios do interior, banhados com pétalas de rosas entre vozes contrárias dos partidos historicamente predominantes, onde as gurias vestiam, nas fitas que amarravam suas tranças, as cores do partido – vermelho, branco e preto -, cujo teórico, Alberto Pasqualini, contava-se, fora colega de seminário de D.Vicente Scherer. Mesmo assim, sua fama de comunista permitia ao vigário da cidade não absolver, na confissão, as simples mulheres que, incitadas pelos maridos, afirmavam com humildade terem votado nele.

Esses mesmos ecos – de que o comunismo estava às portas da cidade – eram segredados à boca pequena pelos corredores do colégio das irmãs; mas não impediam que nos mantivéssemos fiéis ao partido, pois a honra de defendê-lo suplantava o medo do inferno e os alfinetes cravados no coração da Virgem, coroada na Igreja Matriz, onde as mesmas meninas que iam aos comícios, discursavam a favor da Santa, vestidas de branco e com enormes asas que custavam a carregar.

Mas muitos de nós as carregamos sempre na esperança de que nossos vôos atinjam o infinito. E foi essa esperança que sempre animou esse intrépido e corajoso líder Leonel de Moura Brizola.

Com ele foram as reuniões da Juventude Trabalhista que, fruto dos movimentos estudantis, encontrava ali um canal pelo qual a esquerda, especialmente a clandestina, podia atuar. Era o PTB, partido com o qual as forças operárias e de trabalhadores passaram a se identificar, aglutinando as lideranças sindicais; partido criado pelo mesmo homem que criara o PSD, Getúlio Vargas, o qual ao olhar o jovem discursando de improviso, haveria de afirmar, com seu jeito indecifrável e profético: “Prestem atenção nesse guri, que ele vai muito longe”. E a profecia se cumpriu: ele foi longe.

Com ele foram as palestras de sexta-feira na Riachuelo, cujas conversas longas e pausadas, rivalizando com as de outro líder, Fidel Castro, fizeram com que muitas pessoas, quase analfabetas, pudessem trazer para seu cotidiano significados geralmente reservados aos cientistas políticos, como “trust” de remédios, imperialismo americano, estatização, etc.

Com ele foram as reuniões nos centros acadêmicos com suas disputas políticas acirradas que mereciam conquistar votos nos bailes da Reitoria sob o embalo irresistível de “Io che amo solo te”, de Sergio Endrigo. Foram-se também os encontros e congressos estudantis na disputa pela União Nacional dos Estudantes com passagens pagas pela Universidade sob o olhar complacente do Reitor Eliseu Paglioli que por mais brigas e ataques que fizéssemos, julgando-o conservador, sempre nos recebia, acolhendo nossas reivindicações com um ar crítico, mas cheio de encanto ao reconhecer nosso direito de contestar e fazer política.

Com ele foram-se também a sublevação estudantil na luta pela Legalidade, organizada no Restaurante Universitário aos gritos de um-dois, um-dois, preparando-nos para a luta eminente e tentando uma disciplina que custava a se manter e cuja tensão deixava o coração medroso e a alma inquieta. Foi-se a longa marcha em direção ao Palácio, todos de braços dados cantando “Já podeis da Pátria, filhos”, sob uma chuva fria e intensa que não impediu que a jovem, em seu “tailleur” rosa-claro, protegida pela capa de chuva, erguesse a saia, subisse no caminhão e discursasse veementemente contra Carlos Lacerda, gritando ao final Legalidade ou Morte, pois este fora o apelo lançado através dos microfones do Palácio, pelo, então, governador Brizola: “A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim”.

Todas as análises não conseguirão explicar o élan que faz com que poucos sejam desafiadores e carismáticos; isso requer um impulso vital que, mesmo estudado racionalmente, não esgota seu efeito, pois quem o sustenta é a paixão; se optarmos por vivê-la. E Brizola o fez: viveu com paixão a política e foi ela que iluminou toda a sua vida. E essa seiva o alimentou até o fim: “Sou como as plantas do deserto: basta uma gota de orvalho e volto a reverdejar.”

É toda uma geração que se foi com Brizola. Foram nossos atrevimentos, nossos impulsos cheios de certezas, nossas utopias, nossos ensaios políticos. Na chuva que caia sobre o esquife, no dia de seu enterro, nossa alma enchia-se de melancolia. Calma e pausada, molhada de saudade e espanto, com o coração batendo, como o bater dos pés dos jovens soldados, carregando Brizola. E junto, nossa juventude.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Explico

Oi, o texto A Tirania da Verdade ou a Ditadura da Minoria constitui-se de um desabafo contra determinados grupos que, pela sua grande ignorância, acham que tudo teve início com eles, a honestidade, as boas intenções , a reforma agraria, a esquerda, aliás,nem foi necessário ler o manisfesto comunista, nem Marx para identificar o Capitalismo e seus vicíos. São a ilustração mais perfeita de um ditado que costumo repetir: A petulância é proporcional à ignorância.
Na verdade não tenho alimentado o blog e poucos sabem que o tenho.
Abraços, Nayr

A tirania da verdade ou a Ditadura pelo lado inverso

Em todos os setores da sociedade observa-se, ultimamente, uma grande dificuldade em definir limites entre o que desejo e tenho direito e o que, como cidadão, posso pretender. Seja nas relações entre pais e filhos, entre homens e mulheres, entre governo e segmentos sociais. Há uma evidente confusão entre autoridade e autoritarismo, democracia e democraticice, liberdade e libertinagem, disciplina e repressão. O corporativismo de alguns grupos evidencia esta incapacidade de pensarmos como cidadãos, embora a palavra cidadão seja uma das mais utilizadas. Luta-se durante anos contra a ditadura, com esperança e garra, e admite-se em poucos segundos as chamadas ditaduras da minoria, seja pela falta de consciência para com o direito dos demais, seja pelos argumentos usados e/ou pelas estratégias adotadas.
Esse contexto tem favorecido o aparecimento de grupos autoritários, muitas vezes, violentos que se escondem atrás dos movimentos sociais, especialmente os que representam as chamadas minorias, que, pelo modo como reagem a qualquer crítica, parecem os donos da verdade, ungidos por Deus e caracterizados pela infabilidade papal.
Estes elementos que, na verdade, não conseguem definir e nem analisar os objetivos do próprio movimento, protegem-se de qualquer crítica acusando os que discordam de suas estratégias ou a que eles se opõem de preconceituosos. Ao denominar de preconceituosos aos que a eles se opõem caracterizam o argumento contrário como tendencioso e prepotente, anulando-o. Sim, pois o preconceito é um julgamento precipitado de quem desconhece a realidade (daí pré-conceito, antes, anterior ao conceito); centra-se, por conseqüência, na ignorância. Para o preconceituoso existe apenas a sua verdade e, portanto, aquele que não a professa não é digno dos demais e tão pouco poderá gozar dos mesmos direitos.
Impossível negar a existência desse comportamento, porém reduzir todo e qualquer argumento contrário a uma atitude preconceituosa é, no mínimo, simplificar demasiadamente a questão. Aliás, preconceito é atitude, julgamento, enquanto que argumento é razão, evidência. Essa rotulação constante, atribuída a quem contraria minhas idéias ou ações, conseguiu, por inércia ou desconhecimento de quem discorda, criar um espaço extremamente privilegiado contra a oposição: sou uma ilha de coerência e verdade cercado de preconceituosos por todos os lados.
Contudo, diga- se de passagem que essa estratégia, por desconhecimento ou má fé, tem surtido seu efeito, pois não só consegue paralisar o adversário, rebaixando-o, como também impede a discussão e evita o diálogo e a negociação, pressupostos naturais da democracia. Apesar de a maioria ter dificuldade em definir o que é preconceito, ninguém admite tê-lo.Preconceitos – mais ou menos – sempre os teremos; vencemos uns e criamos outros. A diferença é como lutamos contra eles.
Esse comportamento permite inferir que ou todas as manifestações são válidas e suas intenções as mais autênticas, ou, ao contrário, não têm consistência refletindo apenas um autoritarismo exacerbado. Discordar não é mais o direito democrático de não concordar, de opor-se, ter outra estratégia ou interpretação. Hoje discordar é ter preconceito. A este viés tão freqüente nos comportamentos de determinados grupos que, na verdade, não representam a maioria dos militantes, costumo denominar de ditadura da minoria.
Se contrario alguma coisa do discurso feminista, sou tachada de chauvinista;
Se me oponho às estratégias do Movimento dos Sem Terra – MST – sou contra a Reforma Agrária;
Se não concordo com o discurso governamental, sou considerada de direita;
Se alguma coisa do discurso sindical não me agrada, é porque sou a favor dos patrões;
Se não aceito reduzir o movimento gay ao aspecto exclusivamente sexual, é porque sou contra os homossexuais.
Se defendo a norma culta no ensino da língua portuguesa e a gramática tradicional, sou chamada de elitista e ultrapassada.
Enfim, criou-se um espaço ambíguo entre tese e antítese que tem impedido a prática dialética da contestação, produzindo discursos maniqueístas e homogêneos que, por não admitirem as contradições, não chegam à síntese e, portanto, não se renovam. Essa atitude é típica de alguns grupos que se aninham no seio dos movimentos sociais e que, por sua intransigência e belicosidade, acabam definindo o perfil desses movimentos, sem, contudo, representar a maioria dos militantes que, por discordar desse tipo de encaminhamento e pela impossibilidade de com eles dialogar, acabam se afastando. Assim os movimentos tornam-se cada vez mais agressivos, mas absolutamente nada representativos, pois para esses grupos só existe um único ponto de vista e este é o seu. Tudo começa e termina na fronteira de seu corpo e no alcance de seu braço. Se o que lhe é dito não se encaixa nesse horizonte, é porque se trata de preconceito e, portanto, não é digno de crédito. Por outro lado, este tipo de mecanismo alimenta-se mais de estratégias do que de propostas. Na verdade, esses grupos encarnam a filosofia do não e da denúncia, isto é, tem que ter cerca viva pra podar, com um único senão: o que poda não planta, nem propõe.
Essa história de criticar sempre o lugar onde não estou, a profissão que não é a minha, o partido que não freqüento, o governo em que não votei, o filho que não é o meu, é fazer discurso maniqueísta que não leva a síntese alguma, exceto a uma única verdade: a minha. Aliás, “Sem autocrítica ninguém avança”. Só assim se dá o salto qualitativo, seja no tipo de sociedade que se quer construir, seja no sindicato em que atuamos, seja no comportamento como indivíduo e como cidadão. Se isso não acontecer, é quase certo que estaremos construindo uma ditadura pelo lado inverso

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Velha sem concessões

Eu não preciso usar tatuagens para mostrar que sou jovem, ou provar que sou moderna e estou atualizada. Até porque não sou nem jovem, nem moderna, dependendo do sentido que a maioria dá a moderna, pois, apesar de usado frequentemente como argumento para justificar “mas tudo mudou”, com raras exceções quem o usa sabe definir o que seja. Minhas tatuagens não aparecem na superfície da pele porque estão na alma e no coração e não há idade que as apague.
Eu não preciso ir a bailes de 3ª Idade para provar que vivo ou sei viver. Até porque continuo dançando sozinha ou acompanhada e com as netas. Ensaio para um musical que pretendo fazer e, se não o fizer, não importa, pois o bom mesmo é a combinação.
Não preciso gostar de todas as invenções eletrônicas para provar que estou atualizada, em consonância com o progresso Não preciso saber manipular um celular para mostrar que aprendi alguma coisa na vida e não estou ultrapassada. Não preciso saber lidar com o computador, ou utilizar todos os recursos desse instrumento para me comunicar com as pessoas ou com o mundo. Todo o recurso que não tenha cheiros, toques, alegrias e contradições não é uma comunicação humana. Com a internet, transformo seres em imagens virtuais, mas o que preciso é de gente com cabeça, tronco e membros, alma e coração!
Eu quero estar no lugar em que estou, uma mulher de 71 anos, sem mais nem menos, pois a velhice é a idade da essência, não da circunstância. Quero estar onde estou, porque não posso negar os anos vividos, as coisas conquistadas, as dificuldades para me reconhecer e aceitar, as dores que tanto me ensinaram, as vivências maravilhosas no exercício da profissão e foi com ela que aprendi a ficar feliz com o crescimento alheio.
Eu sou uma velha e não é substituindo a palavra por eufemismos baratos que deixarei de sê-lo; os demais é que mudem suas concepções, pois ao querer substituir as palavras por outras revelam que a imagem é negativa. Pois então o que deve mudar são as cabeças, pois se estas não mudarem não é substituindo os termos da equação que mudarão os resultados.
Aliás, quando meus alunos dizem gentilmente que não sou velha, deslocam-me para a categoria dos jovens e com isso não terão na velhice quem lhes sirva de modelo. E depois gosto da minha categoria, a categoria antiga até porque ela goza das seguintes qualidades: 1.Tem uma escala de valores, isto é, tem ética;não confunde ética com moral; 2. Tem moral, respeita as regras no momento eleitas pela sociedade; 3. Sabe o significado da palavra gratidão e respeito; 4.Não trepa em público e ainda se deixa seduzir pelo amor e 5. Tem brilho no olhar. Prá que mudar.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Filosofia à margem do caminho

Viver é experiência
que se constrói lenta
no espaço da vida
- curta ou comprida –
que recebemos ao nascer.
Mas o diabo é ter paciência
pra agüentar de todo lado
as peripécias variadas
que passamos pra crescer.
Mesmo assim é uma aventura
a gosto de cada um:
café preto e rapadura,
lingüiça frita e melão.
O que nos diz sabiamente
que cabe a gente escolher
o melhor jeito de viver

Nayr Tesser

quinta-feira, 11 de março de 2010

VIVER

Aprender a viver é uma grande aventura
mas para que seja segura, machuca inquieta.
Não é um passe de mágica que acontece sem sofrer.
É como uma tampa
que se levanta ao ferver da água,
onde o vapor é como a essência do existir.
Para crescer é necessário, não adiante se iludir,
-não um calvário-
mas um cozimento lento, em fogo brando,
daquilo que se é e não se sabe,
daquilo que não se é e achamos que somos,
daquilo que somos e não acreditamos ser.
Para crescer, enfim,
basta viver!

segunda-feira, 8 de março de 2010

1ª postagem

Como dizia a empregada de uma amiga "me humildei" e acabei constituindo um blog.
Ao apalpar essa nova ferramenta, percebo mais uma vez como me submeto a uma ditadura da minoria. Sem falar nos possíveis entraves que o próprio tempo disponível para o blog será retirado de um tempo não maior que 24 horas/dia que já está ocupado por outros afazeres que não se restringem a seguir um blog. Aliás os que participarem do blog já são designados de seguidores e isto é sintomático! Seguem alguém que segue outro alguém que nem se sabe quem é. Portanto todos seguem sem saber para onde vão, diz a canção!