domingo, 14 de outubro de 2012


A sala de aula uma paixão.

 O dia do Professor é um dia para falar de encanto e paixão. Afinal é primavera e os espermatozóides estão no ar. Com esta frase era anunciada a nova estação nas aulas de Português do velho e saudoso Colégio Julio de Castilhos. O estribilho de quem fez da sala de aula sua paixão é sempre o mesmo: surpresas, dores, alegrias e amores como a vida num movimento de vai e vem.  Ser professor é um doce vício e teimosa virtude; se assim não fosse, como persistir e resistir quando os indicadores são de desvalorização monetária, social e profissional.

Sem falsa modéstia acho poder dar testemunho sobre o encanto e beleza de ser professor e a importância da profissão, pois, ao lado de uma consciência absolutamente meridiana do que não fiz ou deixei de fazer, há uma certeza de que os poucos projetos que fiz, apesar de não constarem na promoção funcional, estão por ai, caminhando autônomos e independentes com pernas que não são minhas, abraçando outros mundos com braços que não são meus. São meus alunos que acompanhei ao longo de mais de 40 anos de profissão exercida na escola pública estadual, escola esta que sofre, hoje, as indefinições e perplexidades vividas pela sociedade atual. Sim, são esses alunos cujos ecos percebo de quando em quando, aqui e ali, e com os quais briguei, aprendi e até ensinei e, se o fiz, foi muitas vezes sem saber que o fazia, pois ao final de cada ano, e foram tantos, que ficava sempre a sensação incômoda de que não havia feito tudo, mas redimia-me pensando com renovada esperança que no próximo ano seria melhor.

Ah! Profissão de esperança, esta, a de professor!

E nesse percurso, quantas dúvidas e achados! Entre as imagens guardadas na retina, lembro-me que, na tentativa de mostrar aos alunos que a língua era um fenômeno vivo, comparava as divisões da gramática com as etapas da vida do ser humano: a fonética nascia com o choro do bebê; a morfologia, com a expectativa do sexo, menino ou menina; as classes gramaticais, as dominadas e as dominantes, representavam a sociedade de classes em que vivíamos e essas classes desempenhavam papéis no teatro da língua que era a sintaxe, no qual as frases ou orações eram atos ou cenas, e o período uma peça cujo autor se renovava a cada apresentação e cuja interpretação e imagem dependeriam do local onde o palco seria armado. A concordância era uma questão social e a regência se dava na relação dos homens entre si, onde o verbo dar, apesar de ser bitransitivo e exigir dois complementos, o essencial era conjugá-lo em todos os tempos e modos. Essas comparações, olhadas agora à distância e no contexto atual, até poderiam ser aceitas, mas no início da década de 60 e com a insegurança natural de quem se inicia na profissão, não passavam de imperdoáveis desvios de uma professora que, por não encontrar explicações lógicas para certos fenômenos lingüísticos, buscava, desculpando-se, encobrir com a imaginação as lacunas que, julgando-as apenas suas, sofria por não conseguir preencher, desprezando sua própria intuição.

O sentimento incômodo de fazer tudo menos dar aulas de português perseguia-me. Mesmo assim, esse lado cheio de metáforas e refrões resistia teimosamente e, para explicar uns, criava outros, justificando-me: “O bom professor é aquele que, ao deixar a sala de aula, entra pro circo e faz qualquer função – mágico, trapezista, palhaço e domador.”

É esse tempo e essa história que fazem com que confie e acredite na minha profissão. A importância do professor não pode, portanto, ser medida pelos baixos salários que recebe; nossas reivindicações devem ser feitas no espaço devido e as lutas para modificar a situação devem estar presentes em nosso cotidiano, mas não devemos fazer da sala de aula uma arena sindical.

Essa desvalorização salarial não deve confundir  nossos ideais e nossa crença, nem definir o valor de nossa tarefa, que é a maravilhosa, insubstituível tarefa de ensinar. O professor é um professor e jamais será substituído por imagens virtuais ou efeitos especiais. O professor é, ponto final.

Mas para tanto é necessário ter clareza de nosso papel, crença no que fazemos, alegria por fazê-lo e consciência da singularidade da relação professor-aluno. É a única profissão cujos bens produzidos não carecem de intermediação: o produtor e o consumidor estão no mesmo espaço. E isso tem seus reflexos e sua significação.

Para ser um bom professor é necessário ter conhecimento, saber socializá-lo sem adonar-se dele, aprender com seus alunos, ter uma escala de valores bem definida, posicionar-se diante dos acontecimentos, sentir um imenso prazer ao perceber o crescimento alheio, alegrando-se com ele. Para ser um bom professor é preciso comover-se com pequenas coisas ridiculamente humanas, ter certeza de que seus alunos saberão reconhecê-lo e o guardarão indelevelmente na memória por um pequeno flagrante que o identificará de imediato, uma rápida associação, um gesto, um olhar, um tom de voz que os marcaram para sempre.       

                      Nayr Tesser

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