A
Infância está morrendo.
Nayr Tesser
Nayr Tesser
Ai que saudades que eu tenho da
aurora da minha vida
Da minha
Infância querida que os anos não trazem mais
Casimiro de Abreu
Não se trata de saudosismo no
sentido pejorativo comumente empregado – pessoa não adaptada ao presente e que,
por essa razão, refugia-se frequentemente no passado repetindo sempre o mesmo
estribilho: No meu tempo...
A concepção usada é a de um
velho cuja idade lhe permitiu viver mais de uma época com seus modelos e
valores e, por gozar de certa sensibilidade e razoável inteligência se permite
comparar e escolher a melhor. Nesse sentido, já houve uma infância melhor do
que a dos dias atuais, pois se tratava de crianças e não de consumidores ou pseudoadultos.
Todos admitem que o ciclo da
vida aumentou, não há quem não concorde. Consequentemente seria natural que as
fases também se ampliassem. Contudo, há um evidente descompasso entre elas:
diminui-se a infância, prolonga-se a adolescência e pretende-se transformar a
velhice numa eterna juventude, isto é, velhos com espírito jovem. Porém, ao
tentar caracterizar um tipo de velhice mais digna ou menos negativa, usam-se determinados eufemismos
que longe de resolver a questão a problematizam ainda mais. Afinal
o que é ser criança, adolescente ou velho com espirito jovem?
Quem sabe ser jovem é estar
conectado incondicionalmente à sociedade de consumo e alimentar desejos
desnecessários e supérfluos adquirindo objetos de última geração imediatamente
descartados sem, contudo, saber descrevê-los ou mesmo contar histórias sobre
quando e quem os deu numa repetição interminável desse mesmo processo.
Quem sabe ser jovem significa
saber lidar com todos os recursos eletrônicos – celular, Playstation 3, Nitendo
DS, iPad , tablet, etc –dedicando-se a eles quase em horário integral em
detrimento de outras atividades. Com tal dedicação a esses recursos, a anatomia das crianças sofreu uma profunda
transformação: no lugar dos pés temos dois gigantescos tênis , no lugar
das costas, pesadas mochilas, no lugar das mãos, dois controles remotos, no
lugar das orelhas, dois enormes fones de ouvido e no lugar do cérebro, um boné
virado.
Com a nossa cumplicidade e
sob a forte influência da propaganda, cuja natureza é devorar o objeto que
promove, caso contrário não existiria, estamos definindo a juventude e a
infância de forma maniqueísta onde privilegiamos a perspectiva tecnológica em
detrimento da natureza humana. Não se trata mais de homens, mas de
consumidores. Nesta sociedade, quem é inteligente é o elevador, quem ama é o
robô, quem sente ternura é o ET, quem
apresenta uma sociedade mais justa e fraterna é o filme Avatar; logo, os
objetos e extraterrestre estão ficando humanos e os homens estão perdendo a
humanidade.
As crianças e adolescentes
estão se transformando numa geração cabisbaixa, com o olhar fixo nas telas,
sofrendo, sem queixa ou reação ao que denomino de colonização tecnológica. Nem
os colonizadores espanhóis, portugueses, franceses ou ingleses foram tão
radicais quanto os colonizadores tecnológicos, pois nesse caso joga-se com o
lucro e não com o domínio das nações. Os 1ºs eram menos civilizados, enquanto
os últimos, ditos civilizados, não diferem muito dos primitivos, com uma
ressalva apenas, os atuais são mais sutis e de maior alcance.
Para corroborar esse quadro, a
educação está em franco declínio e as famílias têm dificuldade de definir
limites e valores. Sintetizando são três
os males da educação: um psicologismo exagerado em detrimento do pedagógico;
valores estereotipados passados pela mídia sem nenhuma intermediação entre a
mídia e a criança e um discurso feminista que continua contestatório depois de
40 anos de estrada sem nenhuma proposta de convivência.
Ao analisar as atitudes e hábitos da nova
geração, a crítica não se dirige a eles, mas a nos todos – pais, avós,
professores, autoridades, cidadãos em geral – que assistimos a morte da
Infância sem, contudo, agir concretamente para que isto não aconteça. Com este
desabafo, faço coro com outras vozes, pouco ouvidas, que têm alertado para o
perigo que corremos, pois tudo está no Baú da Infância e, se ela não for
protegida, como será o adulto de amanhã.
Fica o desejo de que a infância de hoje, ao envelhecer, possa dizer também:
“Ai que saudades que eu tenho da Aurora
da minha Vida, da minha Infância querida que os anos não trazem mais!
Nayr Tesser
Nenhum comentário:
Postar um comentário