domingo, 7 de outubro de 2012

A Infância está morrendo


 

A Infância está morrendo.
Nayr Tesser
           Ai que saudades que eu tenho da aurora da minha vida
            Da minha Infância querida que os anos não trazem mais
                                                                                   Casimiro de Abreu

   Não se trata de saudosismo no sentido pejorativo comumente empregado – pessoa não adaptada ao presente e que, por essa razão, refugia-se frequentemente no passado repetindo sempre o mesmo estribilho: No meu tempo...

   A concepção usada é a de um velho cuja idade lhe permitiu viver mais de uma época com seus modelos e valores e, por gozar de certa sensibilidade e razoável inteligência se permite comparar e escolher a melhor. Nesse sentido, já houve uma infância melhor do que a dos dias atuais, pois se tratava de crianças e não de consumidores ou pseudoadultos.

   Todos admitem que o ciclo da vida aumentou, não há quem não concorde. Consequentemente seria natural que as fases também se ampliassem. Contudo, há um evidente descompasso entre elas: diminui-se a infância, prolonga-se a adolescência e pretende-se transformar a velhice numa eterna juventude, isto é, velhos com espírito jovem. Porém, ao tentar caracterizar um tipo de velhice mais digna ou menos negativa, usam-se determinados eufemismos que longe de resolver a questão a problematizam ainda mais. Afinal o que é ser criança, adolescente ou velho com espirito jovem?

    Quem sabe ser jovem é estar conectado incondicionalmente à sociedade de consumo e alimentar desejos desnecessários e supérfluos adquirindo objetos de última geração imediatamente descartados sem, contudo, saber descrevê-los ou mesmo contar histórias sobre quando e quem os deu numa repetição interminável desse mesmo processo.

    Quem sabe ser jovem significa saber lidar com todos os recursos eletrônicos – celular, Playstation 3, Nitendo DS, iPad , tablet, etc –dedicando-se a eles quase em horário integral em detrimento de outras atividades. Com tal dedicação a esses  recursos, a anatomia das crianças sofreu  uma profunda  transformação: no lugar dos pés temos dois gigantescos tênis , no lugar das costas, pesadas mochilas, no lugar das mãos, dois controles remotos, no lugar das orelhas, dois enormes fones de ouvido e no lugar do cérebro, um boné virado.

    Com a nossa cumplicidade e sob a forte influência da propaganda, cuja natureza é devorar o objeto que promove, caso contrário não existiria, estamos definindo a juventude e a infância de forma maniqueísta onde privilegiamos a perspectiva tecnológica em detrimento da natureza humana. Não se trata mais de homens, mas de consumidores. Nesta sociedade, quem é inteligente é o elevador, quem ama é o robô, quem sente ternura é o ET, quem  apresenta uma sociedade mais justa e fraterna é o filme Avatar; logo, os objetos e extraterrestre estão ficando humanos e os homens estão perdendo a humanidade.

    As crianças e adolescentes estão se transformando numa geração cabisbaixa, com o olhar fixo nas telas, sofrendo, sem queixa ou reação ao que denomino de colonização tecnológica. Nem os colonizadores espanhóis, portugueses, franceses ou ingleses foram tão radicais quanto os colonizadores tecnológicos, pois nesse caso joga-se com o lucro e não com o domínio das nações. Os 1ºs eram menos civilizados, enquanto os últimos, ditos civilizados, não diferem muito dos primitivos, com uma ressalva apenas, os atuais são mais sutis e de maior alcance.

   Para corroborar esse quadro, a educação está em franco declínio e as famílias têm dificuldade de definir limites e valores.  Sintetizando são três os males da educação: um psicologismo exagerado em detrimento do pedagógico; valores estereotipados passados pela mídia sem nenhuma intermediação entre a mídia e a criança e um discurso feminista que continua contestatório depois de 40 anos de estrada sem nenhuma proposta de convivência.

    Ao analisar as atitudes e hábitos da nova geração, a crítica não se dirige a eles, mas a nos todos – pais, avós, professores, autoridades, cidadãos em geral – que assistimos a morte da Infância sem, contudo, agir concretamente para que isto não aconteça. Com este desabafo, faço coro com outras vozes, pouco ouvidas, que têm alertado para o perigo que corremos, pois tudo está no Baú da Infância e, se ela não for protegida, como será o adulto de amanhã.

Fica o desejo de que a infância de hoje, ao envelhecer, possa dizer também: “Ai  que saudades que eu tenho da Aurora da minha Vida, da minha Infância querida que os anos não trazem mais!

              Nayr Tesser

Nenhum comentário:

Postar um comentário