quarta-feira, 20 de julho de 2011

Educação: a síntese de uma polêmica

Para melhor entender minha conversa com David Coimbra no post anterior, publico aqui um artigo que escrevi em 2009, a respeito da discussão que se travava entre a então secretária de educação Marisa Abreu e o CPERS. O texto é longo, mas vale a pena pois retoma algumas questões historicamente esquecidas tais como, quem solicitou a racionalização de recursos (QPE) foram os professores, no acordo de 1980 e ratificado em 1985 , entre outras.
Canoas já vem imprimindo algumas dessa ideias...Mas disso falo adiante. Segue o texto.

Educação: a síntese de uma polêmica
Nayr Tesser


Há duas campanhas envolvendo a sociedade atualmente: o X da Educação e Crack, nem pensar. Parece que só chegamos a nos conscientizar dos nossos problemas muito lentamente quando as conseqüências são seriíssimas e é quase impossível suportá-los. Tem-se a impressão de que só conseguimos admiti-los se transformados em um grande espetáculo. É típico de uma sociedade como a nossa denominada por Debove de sociedade do espetáculo. As interpretações, as análises, as opiniões de estudiosos e especialistas vêm, há muito, apontando para essas questões sem, contudo, receberem a devida atenção, até porque esses segmentos não tem espaço no cenário privilegiado da mídia; suas vozes, apesar de serem um alerta, tornam-se um eco, quase inaudível, aos ouvidos de uma sociedade consumista, barulhenta e descartável, em que o virtual e os efeitos especiais se confundem com a realidade humana.


Do jeito que as coisas estão não demorará o momento em que para tratar de valores teremos de negociá-los com uma boa propaganda, oferecendo-os no mercado como os demais produtos: sabonete de respeito, xampu de gratidão, perfume de ética em frascos de excelente design ou recorrer a implantes de valores, realizados por clínicas especializadas.


Nesse quadro, os indicadores sensíveis e concretos do perigo que estamos correndo são as campanhas citadas: o X da Educação e Crack, nem pensar. Portanto, é o momento de investir em Educação; se não o fizermos, será tarde demais e teremos perdido o trem da história, pois acredito, e sempre defendi, que a Educação é o bem mais precioso que um povo dispõe para forjar uma Nação e, se ela não for de qualidade, estaremos comprometendo as gerações futuras.


Nesse sentido, não posso reduzir a questão da Educação ao meu baixo salário, pois essa questão não diz respeito somente a um segmento ou a mim, mas a sociedade como um todo. Nós, professores, ainda devemos esperar, não é que possamos, devemos, pois a juventude não pode fazê-lo. Contudo não abriremos mão da esperança de que se venha fazer justiça aos professores que por mais desvalorizados que sejam representam o elo mais autêntico e seguro entre o presente e o futuro das novas gerações. Se ainda a sociedade não reconheceu que Educação é prioridade esse é o momento de fazê-lo.


Mas para isso devemos saber o que é um ensino de qualidade e como implementá-lo. Dizer apenas que não estamos de acordo com o ensino que ai está, sem, contudo, ter propostas claras a respeito ou, então, não apoiar quem as tem para mudá-lo, é no mínimo não ter consciência da gravidade da situação.


Portanto, ao me posicionar em relação às questões educacionais atualmente em discussão não faço mais do que dar meu testemunho e convicção de que a única saída para a grande maioria de nossos problemas é oferecermos à Juventude uma verdadeira educação e um ensino de qualidade.


Há momentos decisivos na vida de cada um em que fazendo-se um balanço entre direitos e deveres a consciência maior, a do ser social, define o caminho a seguir em detrimento do interesse imediato, pois não se trata mais do indivíduo, mas do cidadão e sua consciência.


Faço isso em nome do futuro dos meus alunos, fiel ao ditado tantas vezes mencionado em aula: “Aprender é sair de si mesmo”; quem não o fizer, apesar do diploma e dos títulos, habitará para sempre o país da jurisdição do próprio umbigo.


Negocio, pois, meu baixo salário pelo direito de meus alunos, que acompanhei ao longo de mais de 40 anos de profissão, exercida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na escola pública estadual, escola esta que sofre, hoje, as indefinições e perplexidades vividas pela sociedade atual. É esse tempo e essa história que fazem com que confie e acredite na minha profissão. A importância do professor não pode, portanto, ser medida pelos baixos salários que recebe; nossas reivindicações devem ser feitas no espaço devido e as lutas para modificar a situação não devem reduzir-se a estratégias cada vez mais violentas, ou fazer da sala de aula uma arena sindical.


Essa desvalorização salarial não deve confundir nossos ideais e nossa crença nem definir o valor de nossa tarefa, que é a maravilhosa, insubstituível tarefa de ensinar. O professor é um professor e jamais será substituído por imagens virtuais ou efeitos especiais, O professor é, ponto final


Fiel a essa certeza, Senhora Secretária de Educação, acredito nas suas propostas e confio na competência e seriedade de sua equipe para executá-las. Fio e confio nisso. E, como testemunha, mencionarei alguns fatos, cuja história parece ter sido esquecida.


l. Plano de Carreira - Nosso Plano tem 35 anos e o grupo que ajudou a elaborá-lo não concordava com inúmeros itens, porém a maioria o aceitou, originando da parte da Profª. Tereza Noronha, grande responsável pelos encaminhamentos de então, a seguinte e sábia afirmação: “No futuro, ainda seremos nós a ter que mudá-lo.” O Plano envelheceu e desta forma está descontextualizado, seja pela criação de novos cursos, seja pelas alterações sofridas, tornando-se um conjunto de penduricalhos na tentativa de compensar os baixos salários. Seja, outrossim, pelas alterações sofridas em função não só do âmbito do conhecimento e desempenho como também em relação a questão do merecimento. Mais interessante seria substituir merecimento por desempenho.


2. Bons Concursos – Concursos que dignifiquem o conhecimento adquirido; exigir competência e desempenho não é preconceituoso muito menos ser elitista. Alunos de uma escola pública empobrecida merecem o melhor! Conteúdos específicos para não reduzir os concursos a exigência das leis relativas ao ensino. Estou cansada de ouvir a justificativa de que algumas categorias ganham mais porque se submetem a concursos mais difíceis.


3. Municipalização do Ensino – Sempre repudiada por alguns professores que se justificam dizendo que vai dividir a categoria, mas aceita por uma grande maioria deles, em especial os que colaboraram na elaboração dos princípios educacionais dos artigos da Constituição, nos quais está presente a idéia de que a execução é atribuição dos municípios, enquanto as políticas estariam a cargo dos Estados e da União. Com isso também melhorariam os Planos de Carreira, municipalizando-os e aliviando, assim, a responsabilidade do Estado. Foi com esse espírito que foram criadas as instâncias municipais dos Conselhos de Cultua, de Educação e da Criança e do Adolescente.


4. Quadro de Pessoal por Escola, denominado atualmente de “enturmação”. Essa racionalização dos recursos foi uma da solicitações do Acordo de 80 e ratificada ao final da greve (do Sim e do Não) em l985. Ela esta incluída na 6ª Cláusula, alínea a), sendo ratificada em l985 através da criação de uma Comissão Mista SEC/Cpers, da qual fiz parte e posso testemunhar que a SEC aceitou nossas condições dando, assim, a autonomia às escolas de elaborar seu QPE e eleger os critérios para fazê-lo. Essa tarefa nunca foi levada a cabo pelo magistério, mas quando algum governo pretendia fazê-lo, a categoria repudiava a iniciativa, sem, contudo, apresentar o seu Quadro.


Podemos não concordar com certas posições, mas acusar os demais pelo que não soubemos ou não quisemos fazer é, no mínimo, escamotear a verdade ou ignorar as reivindicações da categoria, ou esquecê-las porque não me favorecem. Não consigo conviver com a injustiça nem tampouco com a mentira. Se exijo moral e ética dos demais, devo fazer jus a elas. Minha atuação profissional e sindical foi sempre pautada pela retidão e respeito as autoridades, mesmo que estivessem em campos opostos. Sou fiel a velha dialética, daí o ditado sempre invocado: “Sem autocrítica ninguém avança”. Chegar à autocrítica ou à síntese é uma etapa difícil, mas conforme Rilke, tudo o que é bom é difícil. Se não tentarmos fazê-la, nosso discurso será maniqueísta, reproduzindo clichês sem, contudo transformar a realidade.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Para David Coimbra

Ao ler o texto"Tarso, o inimigo dos professores", na Zero Hora de 08 de julho de 2011, enviei um comentário ao jornalista David Coimbra autor do mesmo.

Prezado David,

Atualmente, os discursos têm sido maniqueístas e não admitem serem confrontados; se o fizeres, serás tachado de ou preconceituoso, ou elitista, ou, de direita. Tenho podido observar que te atreves a contrariar alguns discursos, quando poderias simpaticamente ser cúmplice dos mesmos. Essa postura é extremamente saudável e necessária para a renovação seja do teu discurso ou do discurso do outro. Infelizmente a dialética tem sido esquecida : tese, antítese e síntese. Sem a antítese não se chega à síntese. As posições adotadas pecam pela uniformidade, transformando seus argumentos em clichês cujo estribilho se repete sem, contudo, renovar-se. As mulheres são sempre vítimas, os gays são sempre discriminados, os sindicatos são sempre vítimas dos patrões, os sem-terra são sempre puros e ingênuos e não cometem nenhuma infração, o governo , seja ele qual for, está contra a sociedade, os políticos são todos corruptos (apesar que fica difícil no quadro atual desmentir a generalização!)


No teu artigo “Tarso, o inimigo dos Professores”, na Zero Hora de 08/07/11, todos os governos são contra os professores tangencias essa questão maniqueísta quando, implicitamente, percebes que o discurso dos representantes do CPERS, nos últimos anos, é sempre do não e da denúncia. Não existem propostas, no caso do Plano de Carreira, mas quando elas aparecem, somos contra. É a famosa atitude do Sal de fruta ENO ( não é da tua geração), ou dos bascos, Hay gobierno, entonces sou contra. E uma outra: tem que ter cerca viva prá podar.


Na verdade muitos sindicatos hoje vivem mais de estratégias do que de propostas. São originários, dos antigos “libelus”(como costumávamos escrever) ou dos trotskistas. Aliás, a esquerda tem um defeito horrível, é a vaidade. Como dizia um professor do antigo partidão fazendo uma autocrítica: um cara de esquerda tem uma idéia, dois formam uma tendência, três um partido e quatro uma dissidência.


Esse texto que te envio o escrevi n a época da Secretaria Mariza Abreu, que trabalhou comigo no CPERS `na diretoria constituída pela Zilá Totta. O enviei na ocasião, para o segundo Caderno, mas não foi publicado. Como ele traz a história das reivindicações acho oportuno que tenhas conhecimento.
Um abraço, Nayr Tesser