A sala de aula uma paixão.
O dia do Professor é um dia para falar de
encanto e paixão. Afinal é primavera e os espermatozóides estão no ar. Com esta
frase era anunciada a nova estação nas aulas de Português do velho e saudoso
Colégio Julio de Castilhos. O estribilho de quem fez da sala de aula sua paixão
é sempre o mesmo: surpresas, dores, alegrias e amores como a vida num movimento
de vai e vem. Ser professor é um doce
vício e teimosa virtude; se assim não fosse, como persistir e resistir quando
os indicadores são de desvalorização monetária, social e profissional.
Sem falsa modéstia acho poder dar
testemunho sobre o encanto e beleza de ser professor e a importância da
profissão, pois, ao lado de uma consciência absolutamente meridiana do que não
fiz ou deixei de fazer, há uma certeza de que os poucos projetos que fiz,
apesar de não constarem na promoção funcional, estão por ai, caminhando autônomos
e independentes com pernas que não são minhas, abraçando outros mundos com
braços que não são meus. São meus alunos que acompanhei ao longo de mais de 40
anos de profissão exercida na escola pública estadual, escola esta que sofre,
hoje, as indefinições e perplexidades vividas pela sociedade atual. Sim, são
esses alunos cujos ecos percebo de quando em quando, aqui e ali, e com os quais
briguei, aprendi e até ensinei e, se o fiz, foi muitas vezes sem saber que o
fazia, pois ao final de cada ano, e foram tantos, que ficava sempre a sensação
incômoda de que não havia feito tudo, mas redimia-me pensando com renovada
esperança que no próximo ano seria melhor.
Ah! Profissão de esperança, esta,
a de professor!
E nesse percurso, quantas dúvidas
e achados! Entre as imagens guardadas na retina, lembro-me que, na tentativa de
mostrar aos alunos que a língua era um fenômeno vivo, comparava as divisões da
gramática com as etapas da vida do ser humano: a fonética nascia com o choro do
bebê; a morfologia, com a expectativa do sexo, menino ou menina; as classes
gramaticais, as dominadas e as dominantes, representavam a sociedade de classes
em que vivíamos e essas classes desempenhavam papéis no teatro da língua que
era a sintaxe, no qual as frases ou orações eram atos ou cenas, e o período uma
peça cujo autor se renovava a cada apresentação e cuja interpretação e imagem
dependeriam do local onde o palco seria armado. A concordância era uma questão
social e a regência se dava na relação dos homens entre si, onde o verbo dar,
apesar de ser bitransitivo e exigir dois complementos, o essencial era
conjugá-lo em todos os tempos e modos. Essas comparações, olhadas agora à
distância e no contexto atual, até poderiam ser aceitas, mas no início da
década de 60 e com a insegurança natural de quem se inicia na profissão, não
passavam de imperdoáveis desvios de uma professora que, por não encontrar
explicações lógicas para certos fenômenos lingüísticos, buscava,
desculpando-se, encobrir com a imaginação as lacunas que, julgando-as apenas
suas, sofria por não conseguir preencher, desprezando sua própria intuição.
O sentimento incômodo de fazer
tudo menos dar aulas de português perseguia-me. Mesmo assim, esse lado cheio de
metáforas e refrões resistia teimosamente e, para explicar uns, criava outros,
justificando-me: “O bom professor é aquele que, ao deixar a sala de aula, entra
pro circo e faz qualquer função – mágico, trapezista, palhaço e domador.”
É esse tempo e essa história que
fazem com que confie e acredite na minha profissão. A importância do professor
não pode, portanto, ser medida pelos baixos salários que recebe; nossas
reivindicações devem ser feitas no espaço devido e as lutas para modificar a
situação devem estar presentes em nosso cotidiano, mas não devemos fazer da
sala de aula uma arena sindical.
Essa desvalorização salarial não
deve confundir nossos ideais e nossa
crença, nem definir o valor de nossa tarefa, que é a maravilhosa, insubstituível
tarefa de ensinar. O professor é um professor e jamais será substituído por
imagens virtuais ou efeitos especiais. O professor é, ponto final.
Mas para tanto é necessário ter
clareza de nosso papel, crença no que fazemos, alegria por fazê-lo e
consciência da singularidade da relação professor-aluno. É a única profissão
cujos bens produzidos não carecem de intermediação: o produtor e o consumidor
estão no mesmo espaço. E isso tem seus reflexos e sua significação.
Para ser um bom professor é
necessário ter conhecimento, saber socializá-lo sem adonar-se dele, aprender
com seus alunos, ter uma escala de valores bem definida, posicionar-se diante
dos acontecimentos, sentir um imenso prazer ao perceber o crescimento alheio,
alegrando-se com ele. Para ser um bom professor é preciso comover-se com pequenas
coisas ridiculamente humanas, ter certeza de que seus alunos saberão
reconhecê-lo e o guardarão indelevelmente na memória por um pequeno flagrante
que o identificará de imediato, uma rápida associação, um gesto, um olhar, um
tom de voz que os marcaram para sempre.
Nayr Tesser