terça-feira, 21 de junho de 2011

Panelas

Texto feito no aniversário de Martina, filha do Cheff Marcelo Gonçalves pela história que os dois, mais Carla, estão construindo.


Panelas

nayr tesser


Há uma química com as panelas
que salta de pronto aos olhos
é só mexer com elas
que coisas, pratos e loisas,
com truques e algumas mágicas,
começam a aparecer: risoto bem temperado
com funghi assim preparado.
Um molho vermelho-sangue com
una pasta ,grano duro e al dente, preferência
de muita gente que não cansa de repetir


Mas o que tem nessas panelas
que chama tanto atenção
pimenta, sal e cebola refogados no fogão
iniciando um processo perfeito
que realiza uma síntese de amor
Eis aí o segredo: muita entrega e disposição
pois quem lida com panelas põe em tudo que faz
muita alma e coração!
Ouvirás muito falar delas
seja por história pregressa, que com elas te ataram,
seja de um jeito ou de outro, não importa qual o teor
tua relação co’as panelas será sempre um caso de amor.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Legalidade - Uma geração que se foi

Este texto foi escrito por ocasião da morte do Brizola e enviado à Editoria de Opinião de Zero Hora, mas não mereceu publicação. Como estamos comemorando o aniversário da Legalidade, achei oportuno divulgá-lo. É a minha geração aqui representada. Abraços, Nayr
Vai longe esse guri...

Há uma geração que se foi com Brizola. Uma geração que cresceu em comícios do interior, banhados com pétalas de rosas entre vozes contrárias dos partidos historicamente predominantes, onde as gurias vestiam, nas fitas que amarravam suas tranças, as cores do partido – vermelho, branco e preto -, cujo teórico, Alberto Pasqualini, contava-se, fora colega de seminário de D.Vicente Scherer. Mesmo assim, sua fama de comunista permitia ao vigário da cidade não absolver, na confissão, as simples mulheres que, incitadas pelos maridos, afirmavam com humildade terem votado nele.

Esses mesmos ecos – de que o comunismo estava às portas da cidade – eram segredados à boca pequena pelos corredores do colégio das irmãs; mas não impediam que nos mantivéssemos fiéis ao partido, pois a honra de defendê-lo suplantava o medo do inferno e os alfinetes cravados no coração da Virgem, coroada na Igreja Matriz, onde as mesmas meninas que iam aos comícios, discursavam a favor da Santa, vestidas de branco e com enormes asas que custavam a carregar.

Mas muitos de nós as carregamos sempre na esperança de que nossos vôos atinjam o infinito. E foi essa esperança que sempre animou esse intrépido e corajoso líder Leonel de Moura Brizola.

Com ele foram as reuniões da Juventude Trabalhista que, fruto dos movimentos estudantis, encontrava ali um canal pelo qual a esquerda, especialmente a clandestina, podia atuar. Era o PTB, partido com o qual as forças operárias e de trabalhadores passaram a se identificar, aglutinando as lideranças sindicais; partido criado pelo mesmo homem que criara o PSD, Getúlio Vargas, o qual ao olhar o jovem discursando de improviso, haveria de afirmar, com seu jeito indecifrável e profético: “Prestem atenção nesse guri, que ele vai muito longe”. E a profecia se cumpriu: ele foi longe.

Com ele foram as palestras de sexta-feira na Riachuelo, cujas conversas longas e pausadas, rivalizando com as de outro líder, Fidel Castro, fizeram com que muitas pessoas, quase analfabetas, pudessem trazer para seu cotidiano significados geralmente reservados aos cientistas políticos, como “trust” de remédios, imperialismo americano, estatização, etc.

Com ele foram as reuniões nos centros acadêmicos com suas disputas políticas acirradas que mereciam conquistar votos nos bailes da Reitoria sob o embalo irresistível de “Io che amo solo te”, de Sergio Endrigo. Foram-se também os encontros e congressos estudantis na disputa pela União Nacional dos Estudantes com passagens pagas pela Universidade sob o olhar complacente do Reitor Eliseu Paglioli que por mais brigas e ataques que fizéssemos, julgando-o conservador, sempre nos recebia, acolhendo nossas reivindicações com um ar crítico, mas cheio de encanto ao reconhecer nosso direito de contestar e fazer política.

Com ele foram-se também a sublevação estudantil na luta pela Legalidade, organizada no Restaurante Universitário aos gritos de um-dois, um-dois, preparando-nos para a luta eminente e tentando uma disciplina que custava a se manter e cuja tensão deixava o coração medroso e a alma inquieta. Foi-se a longa marcha em direção ao Palácio, todos de braços dados cantando “Já podeis da Pátria, filhos”, sob uma chuva fria e intensa que não impediu que a jovem, em seu “tailleur” rosa-claro, protegida pela capa de chuva, erguesse a saia, subisse no caminhão e discursasse veementemente contra Carlos Lacerda, gritando ao final Legalidade ou Morte, pois este fora o apelo lançado através dos microfones do Palácio, pelo, então, governador Brizola: “A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim”.

Todas as análises não conseguirão explicar o élan que faz com que poucos sejam desafiadores e carismáticos; isso requer um impulso vital que, mesmo estudado racionalmente, não esgota seu efeito, pois quem o sustenta é a paixão; se optarmos por vivê-la. E Brizola o fez: viveu com paixão a política e foi ela que iluminou toda a sua vida. E essa seiva o alimentou até o fim: “Sou como as plantas do deserto: basta uma gota de orvalho e volto a reverdejar.”

É toda uma geração que se foi com Brizola. Foram nossos atrevimentos, nossos impulsos cheios de certezas, nossas utopias, nossos ensaios políticos. Na chuva que caia sobre o esquife, no dia de seu enterro, nossa alma enchia-se de melancolia. Calma e pausada, molhada de saudade e espanto, com o coração batendo, como o bater dos pés dos jovens soldados, carregando Brizola. E junto, nossa juventude.